O sentido elétrico dos Tubarões
Um detector surpreendentemente sensível de campos elétricos 
ajuda o tubarão a mirar a presa

 por R. Douglas Fields


R. Douglas Fields

Fonte:  Scientific American do Brasil - edição 64 - Setembro 2007  - mais informações:  acesse o site 
BRANDON COLE

TUBARÃO-LIMÃO morde um peixe azarado

Uma barbatana ameaçadora veio à tona, cortando o mar em nossa direção. Um grande tubarão-azul – 3 metros de comprimento – vinha como um torpedo atrás do cheiro de sangue. Minha esposa Melanie e eu vimos três grandes tubarões rodearem nossa baleeira de 7 metros. De repente, um focinho azul-prateado atravessou um buraco quadrado, no convés do barco. “Cuidado!”, gritou Melanie. Recuamos instintivamente, mas não corríamos perigo real. O tubarão exibiu seu “sorriso” e deslizou de volta ao mar.

Atraímos os tubarões despejando sangue no oceano, mas o que nos interessava não era sua conhecida paixão pela substância, mas seu misterioso “sexto sentido”. Pesquisas em laboratório demonstraram que os tubarões conseguem sentir campos elétricos extremamente fracos – como os produzidos pelas células animais em contato com a água do mar. Mas como eles usam esse sentido singular precisa, ainda, ser provado. Estávamos no barco para tentar descobrir.

Até os anos 70, os cientistas nem mesmo suspeitavam que tubarões fossem capazes de perceber campos elétricos fracos. Hoje sabemos que essa eletrorrecepção os ajuda a encontrar alimento e pode funcionar mesmo quando as condições ambientais tornam os cinco sentidos comuns praticamente inúteis. Ela funciona em água turva, escuridão total e mesmo quando a presa se esconde sob a areia.

Meus colegas e eu agora estamos investigando a base molecular dessa habilidade, enquanto outros buscam descobrir como o órgão sensorial se forma durante o desenvolvimento, e se nossos próprios ancestrais vertebrados eram capazes de detectar campos elétricos antes de deixar o mar. Mas todo esse trabalho ainda é preliminar. Aqui descrevo como os pesquisadores descobriram a eletrorrecepção nos tubarões e sua importância para uma caçada bem-sucedida.

Sentido Oculto

A história começa em 1678, quando o anatomista italiano Stefano Lorenzini descreveu poros que pontilham a parte dianteira da cabeça de tubarões e arraias, dando aos peixes a aparência de barba mal feita. Ele notou que os poros se concentravam ao redor da boca do tubarão e, ao remover a pele vizinha, que cada poro levava a um longo tubo transparente, cheio de um gel cristalino. Alguns dos tubos eram pequenos e delicados, mas outros tinham quase o diâmetro de um fio de espaguete e vários centímetros de comprimento. Na região mais profunda da cabeça, os tubos se congregavam em grandes massas de gelatina transparente. Ele considerou e então rejeitou a possibilidade de que esses poros fossem a fonte da substância viscosa do corpo do peixe. Posteriormente, especulou que poderiam ter uma “função mais oculta”, mas seu verdadeiro propósito permaneceu sem explicação.

As coisas começaram a se esclarecer em meados do século XIX, com a descoberta da função da linha lateral dos peixes, um órgão que partilha algumas semelhanças com o sistema de poros e tubos de Lorenzini. A linha lateral, que se estende pelo lado de muitos peixes e anfíbios, das guelras à cauda, detecta o deslocamento de água. Nos peixes, ela consiste em uma fileira especializada de escamas perfuradas, cada uma com abertura para um tubo longitudinal logo abaixo da pele. Em protuberâncias ao longo de seu comprimento, células sensoriais especializadas chamadas ciliares estendem projeções esguias, parecidas com escovas (ou cílios), no tubo. Movimentos ligeiros na água, como os causados por peixes nadando a uma curta distância, dobram as massas ciliares microscópicas como um vento causa ondas em uma plantação. Essa reação estimula os nervos, cujos impulsos informam o cérebro sobre a força e a direção do deslocamento de água. Nós, humanos, herdamos uma habilidade descendente dessa linha lateral na cóclea de nosso ouvido.

No final do século XIX, o microscópio revelou que os poros no focinho do tubarão e as estruturas incomuns sob eles, atualmente chamadas ampolas de Lorenzini, deviam ser órgãos sensoriais. Cada tubo terminava em uma bolsa bulbosa, ou ampola. Um nervo fino emergia da ampola e se juntava a ramificações do nervo da linha lateral anterior. Os cientistas rastrearam essas fibras nervosas da base do crânio, onde elas entram no cérebro pela superfície dorsal da medula, um destino característico de nervos que levam informação sensorial ao cérebro. Os observadores discerniram uma única célula ciliar minúscula, semelhante às do ouvido interno humano e do sistema da linha lateral do peixe, dentro de cada ampola. Mas o tipo de estímulo que elas poderiam detectar permanecia desconhecido.

Eletrorrecepção Confirmada

Os pesquisadores se viram diante de um dilema: como poderiam determinar a função desse órgão sensorial? Em 1909, o biólogo G. H. Parker, da Harvard University, removeu a pele ao redor das aberturas ampolares de um cação para eliminar quaisquer receptores táteis na área. Então, observou que o peixe ainda assim reagia quando os tubos expostos eram tocados suavemente. Essa resposta sugeriu que os órgãos poderiam responder ao movimento da água ou talvez à sua pressão, mas ele não sabia ao certo. Afinal, uma reação de reflexo a um cutucão no olho não significa necessariamente que os olhos evoluíram para perceber golpes repentinos.

Em 1938, Alexander Sand, da Marine Biological Association em Plymouth, Inglaterra, com a ajuda do amplificador a válvula, teve sucesso em ampliar e registrar os pulsos nervosos que iam das ampolas de Lorenzini ao cérebro. Ele viu que os impulsos eram disparados pelo nervo em uma corrente constante, mas que certos estímulos faziam a taxa aumentar ou diminuir repentinamente. Sand percebeu, como Parker, que os órgãos respondiam ao toque ou pressão, mas descobriu que a taxa de estímulo também crescia quando eram resfriados. De fato, as ampolas eram tão sensíveis à temperatura que podiam detectar mudanças externas tão pequenas quanto 0,2ºC. Essa percepção, juntamente com a importância da temperatura da água para a migração e outros comportamentos dos peixes, parecia ser uma forte evidência de que os órgãos eram receptores de temperatura.

No início dos anos 60, o biólogo R. W. Murray, da University of Birmingham, Inglaterra, repetiu as experiências de Sand com instrumentos eletrofisiológicos modernos e confirmou a resposta a mudanças de temperatura e diferenças de pressão e toque, mas também observou que os órgãos eram sensíveis a ligeiras variações de salinidade. Além disso, quando ele ativou por acaso um campo elétrico perto da abertura de um tubo ligado a uma ampola, o padrão de ativação mudou. E mais: o padrão se alterava de acordo com a intensidade e a polaridade do campo. Quando o pólo positivo do campo se aproximava da abertura de uma ampola, a taxa de estímulo diminuía; quando o pólo negativo se aproximava, o estímulo aumentava.

Murray determinou que os órgãos podiam responder a campos tão fracos quanto 1 milionésimo de volt aplicado à distância de 1 cm na água do mar. Esse efeito equivale à tensão gradiente produzida por uma pilha AA de 1,5 volt com um pólo mergulhado no estuá-rio de Long Island Sound, no nordeste dos EUA, e o outro nas águas além da costa de Jacksonville, Flórida, ao sul. Teoricamente, um tubarão nadando entre esses pontos poderia facilmente dizer quando a pilha foi ligada ou desligada. (Medições posteriores da resposta do cérebro indicaram que os tubarões podem discernir 15 bilionésimos de 1 volt.) Nenhum outro tecido, órgão ou animal exibe essa sensibilidade extrema à eletricidade.

Em Busca de uma Função

O que um peixe ganha com a capacidade de detectar campos elétricos fracos? Indícios da resposta vieram de estudos anteriores de “bioeletricidade” – emissões de campo elétrico – por outros peixes. As enguias elétricas, por exemplo, podem atordoar suas presas com fortes choques gerados por um órgão especializado. Outros peixes, entretanto, parecem produzir intencionalmente campos elétricos menores, fracos demais para servir como armas. A evolução desses órgãos aparentemente inúteis confundiu até mesmo Charles Darwin.

Na busca de uma função para essa bioeletricidade fraca, o zoólogo H. W. Lissmann, da University of Cambridge, e outros nos anos 50 descobriram que o peixe que a produzia era capaz de detectar seu próprio campo elétrico. Seus sensores, os receptores tuberosos, são muito diferentes das ampolas de Lorenzini: não têm os tubos compridos e não são nem de perto tão sensíveis aos campos elétricos. No entanto, na época, a descoberta deles acrescentou a eletrorrecepção à lista dos sentidos conhecidos.

Juntos, órgãos de baixa eletricidade e eletrorreceptores tuberosos formam um par emissor e receptor de um sistema parecido com o do radar, extremamente útil para tarefas como orientar-se no lamacento rio Amazonas ou se alimentar à noite. À medida que os objetos distorcem a forma do campo elétrico emitido, os receptores tuberosos detectam a mudança, revelando assim a sua localização.

Tubarões e arraias, entretanto, não possuem órgãos exclusivos para a emissão de campos. Pesquisadores já especularam que as ampolas de Lorenzini, altamente sensíveis, poderiam trabalhar como um sistema de “radar” passivo, detectando campos elétricos fracos que ocorrem naturalmente no ambiente.

Então o que esses animais estavam detectando? Possivelmente sentiam formas breves e fracas de bioeletricidade, como as do potencial elétrico das ondas cerebrais e contrações do músculo cardíaco. Mas parecia improvável que tubarões pudessem usar suas ampolas de Lorenzini para detectar pulsos de um campo elétrico que dura apenas poucos milésimos de segundo. Pelo contrário, esses órgãos estão ajustados para sentir apenas os campos elétricos que mudam mais lentamente, como os gerados por baterias eletroquímicas.

5-Essa capacidade de detecção faria sentido porque todas as células biológicas no corpo funcionam como baterias em decorrência de sua estrutura. Uma bateria comum produz tensão quando duas soluções salinas com cargas elétricas líquidas diferentes são separadas dentro de uma célula eletroquímica. Cargas opostas se atraem, e o movimento resultante da carga cria uma corrente elétrica. Da mesma forma, as células vivas contêm uma solução salina que difere da água do mar, causando o surgimento de uma tensão na interface. Conseqüentemente, o corpo do peixe na água do mar opera como uma bateria fraca, emitindo um campo elétrico ao seu redor. O campo produzido por essa bateria muda lentamente à medida que o peixe bombeia água por suas guelras.

Usando um amplificador eletrônico, nos anos 70 o biólogo Adrianus Kalmijn, na época da Universidade de Utrecht, Holanda (e hoje do Scripps Institution of Oceanography), demonstrou que os animais produziam campos bioelétricos na água do mar. Esses campos bastante fracos mudavam pouco (ou nada) ao longo do tempo, exatamente o tipo de característica elétrica que as ampolas de Lorenzini são equipadas para detectar. Kalmijn também demonstrou que um tubarão de cativeiro localizava e atacava os eletrodos que ele enterrou na areia de um aquário se os eletrodos emitissem campos imitando os produzidos pelas presas típicas do tubarão. (Meu trabalho inicial foi paralelo à pesquisa de Kalmijn, mas me concentrei na quimera (ver quadro na pág. anterior)).

Eletrorrecepção no Ambiente Natural

Demonstrar que peixes com ampolas de Lorenzini respondem a campos elétricos nas condições controladas de um laboratório é uma coisa; determinar isso em campo, no ambiente da espécie, é outra. Essa tarefa provou ser desafiadora em parte porque os sinais elétricos fracos da presa podem ser acompanhados pelo ruído elétrico gerado por outros fenômenos naturais – salinidade, temperatura, movimento da água, acidez e assim por diante. No oceano, mesmo um fio de metal cria uma tensão que qualquer tubarão pode perceber facilmente.

Para testar como os peixes usam esse sentido na natureza para caçar, tivemos de observá-los no mar – o motivo de estarmos em um pequeno barco com uma abertura quadrada no convés. Em 1981, na esperança de verificar se grandes tubarões oceânicos usavam efetiva e rotineiramente a eletrorrecepção para se alimentar, Melanie e eu, assim como Kalmijn e sua associada, Gail Heyer, da Woods Hole Oceanographic Institution, desenvolvemos um aparato em forma de T, com conjuntos de eletrodos posicionados em cada extremidade.

Descemos o dispositivo pela abertura no convés e bombeamos peixe moído por uma porta localizada na junção entre os eletrodos. Então energizamos os eletrodos para produzir campos elétricos que imitam aqueles emitidos por peixes que são presas típicas dos tubarões. Uma pessoa ativava um eletrodo de cada vez em uma seqüência aleatória, enquanto outra (que não sabia qual eletrodo estava sendo ativado) observava o efeito sobre os tubarões. Se os animais atacassem preferencialmente um eletrodo ativado, saberíamos que eles usaram o sentido elétrico para pegar sua presa.

Agachados no convés do barco durante a primeira noite do experimento, espiamos pelo buraco enquanto um grande tubarão-azul circulava. Num dado momento ele sentiu o cheiro de peixe moído proveniente do equipamento e nadou diretamente na direção do odor. Mas no último instante deu uma guinada acentuada para a direita, partindo a perna direita do T com as mandíbulas. O animal se sobressaltou, sacudiu e então soltou abruptamente o equipamento. No momento final do ataque, o predador ignorara a fonte do odor, optando por morder o eletrodo ativado. Ao longo do verão, nossa equipe testemunhou muitos ataques semelhantes, nos quais os animais exibiram preferência acentuada pelo eletrodo ativado em vez do inativo e da fonte de odor de alimento.

A conclusão de que a eletrorrecepção pode superar até mesmo fortes instintos sensoriais como sabor e cheiro nos momentos finais do ataque explicaria relatos enigmáticos de ataques de tubarão a seres humanos. Casos nos quais a vítima foi repetidamente atacada enquanto era conduzida para um lugar seguro por outro nadador, este ignorado pelo tubarão durante o resgate. Apesar de o tubarão talvez perder de vista sua presa quando o sangue obscurece a visão e oblitera o olfato, parece que o sentido de eletrorrecepção permite que localize o forte campo elétrico gerado pelo contato da água com os sais sangüíneos nos ferimentos da presa.

Os tubarões usam todos os sentidos quando caçam – cada um tem vantagens específicas e sensibilidade diferente (ver quadro na pág. oposta). O olfato e a audição seriam mais úteis para localizar a presa a longa distância. Os sentidos visão, linha lateral e paladar, mais importantes a curto alcance. Mas durante a fase final do ataque, quando o tubarão está a 1 metro da presa, a eletrorrecepção se torna a melhor forma de localizá-la precisamente e orientar corretamente as mandíbulas. Talvez um dia essa compreensão venha a servir de base para o desenvolvimento de um dispositivo capaz de repelir os animais, afastando-os dos banhistas.

Temos nos concentrado no comportamento alimentar, relativamente fácil de induzir nos tubarões, mas esses peixes sem dúvida também empregam seu sentido elétrico para outras finalidades. Podemos só imaginar como é ver o mundo por meio desse sentido estranho e nada familiar.

CONCEITOS-CHAVE
Tubarões e peixes relacionados podem sentir campos elétricos extremamente fracos emitidos por animais nas águas ao redor, uma capacidade que poucos organismos possuem.

Essa capacidade é possibilitada por estruturas eletrossensoriais singulares chamadas ampolas de Lorenzini, homenagem ao anatomista que as descreveu pela primeira vez no século XVII.

O autor e seus colegas demonstraram que os tubarões usam esse “sexto sentido” para mirar a presa durante a fase final do ataque. Outros usos potenciais para os eletrorreceptores ainda precisam ser determinados.
– Os editores


ELETROSSENSORES EM AÇÃO
AMADEO BACHAR
Tubarões e espécies relacionadas sentem campos elétricos extremamente fracos gerados por outros animais na água salgada graças a centenas, talvez milhares de detectores especializados em seu focinho chamados ampolas de Lorenzini (a). Os campos conduzem eletricidade em canais cheios de gel, bem isolados (b), que se estendem dos poros da pele às ampolas em forma de bulbo (c) alinhadas com uma camada única de células sensoriais (d). Essas células, que respondem a cada ligeira mudança na carga elétrica do gel no canal, ativam por sua vez os nervos próximos, que informam o cérebro da presença do campo.

Uma célula sensorial reage quando um campo externo produz um pequeno potencial elétrico em sua membrana, levando os canais a permitir a entrada de íons de cálcio de carga positiva. O afluxo de carga positiva faz com que a célula libere neurotransmissores nas sinapses, ou pontos de contato, dos nervos para o cérebro, estimulando sua ativação. A taxa de estímulos indica a força e a polaridade do campo externo, enquanto sua localização relativa ao tubarão é supostamente determinada pela posição dos poros ativados em seu corpo. As células retornam ao seu estado original após a abertura de um segundo tipo de canal de membrana, que permite que a saída dos íons de potássio de carga positiva.

 

LINHA DO TEMPO: ENTENDENDO A ELETRORRECEPÇÃO
1678: O anatomista italiano Stefano Lorenzini descreve a estrutura do sistema de eletrorrecepção dos tubarões e arraias. Sua função permanece um mistério.

Final do século XIX: Os cientistas explicam a função da linha lateral do peixe, um órgão que detecta o deslocamento de água e de certa forma lembra o sistema eletrorreceptor. O exame com microscópio detalha o que em breve se tornará conhecido como ampolas de Lorenzini.

1909: G. H. Parker descobre que as ampolas respondem ao toque. Ele especula que podem sentir o movimento da água.

1938: Alexander Sand registra a saída de impulso nervoso das ampolas de Lorenzini em resposta a vários estímulos. Ele nota que elas reagem a minúsculas mudanças de temperatura.

Anos 50: H. W. Lissmann e outros descrevem os “receptores tuberosos” em peixes que emitem fracos campos elétricos e percebem seus próprios campos. A descoberta acrescenta a eletrorrecepção à lista dos sentidos animais conhecidos.

Início dos anos 60: R. W. Murray descobre que as ampolas de Lorenzini são sensíveis a ligeiras variações de salinidade e a campos elétricos fracos.

Anos 70: Adrianus Kalmijn demonstra que na água do mar o corpo dos animais produz campos elétricos. Ele também mostra que tubarões em cativeiro conseguem localizar e atacar eletrodos enterrados que emitem campos elétricos semelhantes.

Anos 90 ao presente:
Pesquisadores mostram que a eletrorrecepção é um sentido ancestral, comum entre os animais aquáticos.

 

PEIXES COM SEXTO SENTIDO
FRED BAVENDAM Minden Pictures (arraia); NORBERT WU Minden Pictures (peixe-serra); STEPHEN FRINK Corbis (arraia-elétrica); WIL MEINDERTS Foto Natura/Minden Pictures (esturjão); JEAN-PAUL FERRERO Auscape/Minden Pictures (dipnóico)
Além dos tubarões, vários peixes conhecidos possuem eletrorreceptores ampolares semelhantes:

ARRAIAS, que deslizam com suas “asas” de barbatanas peitorais ampliadas próximo ao fundo do mar para se alimentar.

PEIXES-SERRA, que têm focinho parecido com serra coberto com poros sensores de movimento e eletrossensíveis, que permitem detectar presas enterradas no fundo do mar.

ARRAIAS-ELÉTRICAS, que têm órgãos que desferem descarga elétrica capaz de atordoar ou matar a presa.

ESTURJÕES, que usam seu focinho em forma de cunha e os barbilhões semelhantes a bigodes para encontrar alimento nos sedimentos do fundo do mar.

DIPNÓICOS, que conseguem respirar ar e estão adaptados à água doce e, muitas vezes, lamacenta.
PESQUISANDO UM SENTIDO ANTIGO
NORBERT WU Minden Pictures
A QUIMERA percebe seu ambiente com eletrorreceptores, um fato que o autor provou usando um aquário em forma de anel (ilustração)
Os tubarões não foram os primeiros peixes a possuir eletrorreceptores; seus ancestrais atualmente extintos também sentiam campos elétricos nos mares antigos. Minha própria pesquisa inicial sobre eletrorrecepção se concentrava em saber se um peixe peculiar –a quimera –, que também evoluiu daquelas espécies há muito perdidas, também tinha eletrorrecepção.

Encontrei uma dessas criaturas pela primeira vez no final dos anos 70. A quimera tem grandes incisivos que impedem sua boca de se fechar completamente. Essa característica e seus olhos grandes a faziam parecer um coelho ou um rato – o motivo para ser normalmente chamada de rabbitfish (peixe-coelho) ou ratfish (peixe-rato).

Como a quimera não tem valor comercial, o capitão permitiu que eu a levasse para casa para estudo. Logo notei que grande parte da cabeça, entre a pele e o músculo abaixo, estava cheia de uma massa gelatinosa transparente. Quando apontei uma luz para a gelatina em certo ângulo, vi um emaranhado de tubos transparentes, cheios de gel, que irradiavam para os poros da superfície da cabeça e lembravam as ampolas de Lorenzini nos tubarões. Suspeitei que a quimera também possuía esses órgãos mas, para confirmar essa conjectura, eu precisava pegar uma quimera ilesa e mantê-la viva por tempo suficiente para realizar a experiência.

Para isso, pedi a ajuda da tripulação de barcos de pesca comercial da baía de Monterey. Numa manhã de neblina, o capitão do Holiday II me avisou por rádio para ir buscar no ancoradouro uma quimera viva que eles haviam capturado. De volta ao meu laboratório, coloquei o peixe em um aquário em forma de anel, no qual a água do mar circulava constantemente (ilustração acima). O centro do anel era grande o suficiente para me permitir observar o peixe enquanto ele nadava contra a corrente (sua direção preferida).
PESQUISANDO UM SENTIDO ANTIGO
MELISSA THOMAS
Logo percebi que a tendência da quimera de nadar contra a corrente podia ajudar a responder a minhas perguntas. Primeiro, enterrei eletrodos sob a areia. Quando a quimera nadava sobre os eletrodos escondidos, eu ativava o campo elétrico e simultaneamente tocava suavemente o peixe com uma vara de vidro, fazendo com que nadasse a favor da corrente. Logo a quimera revertia o curso, voltando à sua direção preferida. Presumi que se o peixe pudesse detectar o fraco campo elétrico, passaria a associar o campo à incômoda vara de vidro. Se isso ocorresse, a quimera podia aprender a virar por conta própria apenas com a ativação dos campos.

Após um esforço considerável, finalmente consegui o resultado que buscava. Ativei a chave, e a quimera mudou instantaneamente de direção. Ela sentiu o campo elétrico e aprendeu a rotina. Dali em diante, toda vez que eu ativava os campos elétricos, a quimera virava para o outro lado, mas passava pelos eletrodos desativados sem hesitação. Ajustando a intensidade e a freqüência do campo, descobri que o peixe podia identificar facilmente campos tão fracos quanto os criados pelos peixes na água do mar.

Apesar de a experiência ter mostrado que a quimera pode detectar campos elétricos fracos, ela não provou que o peixe usava as estruturas parecidas com as ampolas de Lorenzini para esse propósito. O eletrofisiologista David Lange, do Scripps Institution of Oceanography, e eu buscamos estudar essa questão com a mesma quimera. Adotando a abordagem usada por Alexander Sand em 1938, registramos a atividade dos nervos ligados a esses órgãos. Quando um impulso nervoso corria do órgão misterioso para o cérebro, uma onda fosforescente verde atravessava a tela de nosso osciloscópio e um estalo barulhento saía de um alto-falante.

Enquanto o peixe dormia pacificamente sob anestesia, os impulsos nervosos pulsavam suavemente em harmonia com sua respiração. Mas quando colocávamos um campo elétrico próximo de um dos poros da pele, o laboratório se enchia instantaneamente de estalos barulhentos, refletindo uma corrente de impulsos nervosos disparados ao cérebro. Em seguida, fizemos o campo elétrico pulsar, e os impulsos nervosos o acompanharam, como soldados marchando em uma parada. E quando invertemos a polaridade do campo, demonstramos que o pólo negativo excitava o órgão, enquanto o positivo inibia sua atividade, assim como Sand e R. W. Murray tinham observado nas ampolas dos tubarões. Não há mais qualquer dúvida de que a quimera tem eletrorreceptores. Exames posteriores revelaram que os eletrossensores da quimera são idênticos aos dos tubarões. – R. D. F.

 

REPELENTES MAGNÉTICOS
Os inventores estão tentando manter os tubarões afastados de iscas de peixe e, talvez, de nadadores agindo sobre seus sensíveis eletrorreceptores com ímãs poderosos. A idéia é confundir os eletrossensores do tubarão induzindo uma tensão interna quando seu corpo passa pelo campo do ímã, dizem os pesquisadores e empreendedores Samuel Gruber, Eric Stroud e Mike Herrmann.

“O foco é salvar os tubarões, não os seres humanos”, explica Gruber, biólogo marinho da University of Miami. O World Wildlife Fund estima que 20% das espécies de tubarão estão ameaçadas. Se fossem fixados aos espinhéis comerciais, esses dispositivos poderiam salvar da pesca 50 mil tubarões por noite no mundo todo, alega.

Com apoio da WWF, a equipe está desenvolvendo um anzol de pesca com um ímã poderoso (cilindro preto, acima) preso à linha de pesca. Os peixes de pesca esportiva e comercial, que não têm eletrorreceptores, morderiam o anzol sem saber. Os testes preliminares são encorajadores, mas isso não quer dizer que devamos nadar no mar com trajes cheios de ímãs; não há, ainda, estudo científico comprovando que ímãs afetam o comportamento do tubarão. – R. D. F.

 

PARA SABER MAIS
The electric sense of sharks and rays. A. J. Kalmijn, em Journal of Experimental Biology, vol. 55, págs. 371-383, 1971.

Electroreception in the ratfish (Hydrolagus colliei). R. D. Fields e G. D. Lange, em Science, vol. 207, págs. 547-548, 1980.

Ampullary sense organs, peripheral, central and behavioral electroreception in Chimaeras (Hydrolagus, Holocephali, Chond-rich-thyes). R. D. Fields, T. H. Bullock e G. D. Lange, em Brain, Behavior and Evolution, vol. 41, págs 269-289, 1993.

Electroreception. T. H. Bullock, C. D. Hopkins, A. N. Popper e R. R. Fay. Springer Press, 2005.

R. Douglas Fields Realizou seu mestrado no Moss Landing Marine Labs e seu doutorado em biologia oceanográfica no Scripps Institution of Oceanography. É neurobiólogo do National Institutes of Health. Em seus estudos sobre tubarões, ele conta com a colaboração da esposa, Melanie Fields, professora de biologia do ensino médio. Fora do trabalho, Fields passa seu tempo escalando, mergulhando e montando guitarras. Este é seu terceiro artigo para a SCIENTIFIC AMERICAN.
Multimídia
Veja o infográfico animado dos sentidos do tubarão durante a caçada.
http://www2.uol.com.br/sciam/multimidia/campos_eletricos.html