Uma barbatana ameaçadora veio à tona, cortando o mar em nossa direção.
Um grande tubarão-azul – 3 metros de comprimento – vinha como um
torpedo atrás do cheiro de sangue. Minha esposa Melanie e eu vimos três
grandes tubarões rodearem nossa baleeira de 7 metros. De repente, um
focinho azul-prateado atravessou um buraco quadrado, no convés do barco.
“Cuidado!”, gritou Melanie. Recuamos instintivamente, mas não corríamos
perigo real. O tubarão exibiu seu “sorriso” e deslizou de volta ao
mar.
Atraímos os tubarões despejando sangue no oceano, mas o que nos
interessava não era sua conhecida paixão pela substância, mas seu
misterioso “sexto sentido”. Pesquisas em laboratório demonstraram que
os tubarões conseguem sentir campos elétricos extremamente fracos –
como os produzidos pelas células animais em contato com a água do mar.
Mas como eles usam esse sentido singular precisa, ainda, ser provado. Estávamos
no barco para tentar descobrir.
Até os anos 70, os cientistas nem mesmo suspeitavam que tubarões fossem
capazes de perceber campos elétricos fracos. Hoje sabemos que essa
eletrorrecepção os ajuda a encontrar alimento e pode funcionar mesmo
quando as condições ambientais tornam os cinco sentidos comuns
praticamente inúteis. Ela funciona em água turva, escuridão total e
mesmo quando a presa se esconde sob a areia.
Meus colegas e eu agora estamos investigando a base molecular dessa
habilidade, enquanto outros buscam descobrir como o órgão sensorial se
forma durante o desenvolvimento, e se nossos próprios ancestrais
vertebrados eram capazes de detectar campos elétricos antes de deixar o
mar. Mas todo esse trabalho ainda é preliminar. Aqui descrevo como os
pesquisadores descobriram a eletrorrecepção nos tubarões e sua importância
para uma caçada bem-sucedida.
Sentido Oculto
A história começa em 1678, quando o anatomista italiano Stefano
Lorenzini descreveu poros que pontilham a parte dianteira da cabeça de
tubarões e arraias, dando aos peixes a aparência de barba mal feita. Ele
notou que os poros se concentravam ao redor da boca do tubarão e, ao
remover a pele vizinha, que cada poro levava a um longo tubo transparente,
cheio de um gel cristalino. Alguns dos tubos eram pequenos e delicados,
mas outros tinham quase o diâmetro de um fio de espaguete e vários centímetros
de comprimento. Na região mais profunda da cabeça, os tubos se
congregavam em grandes massas de gelatina transparente. Ele considerou e
então rejeitou a possibilidade de que esses poros fossem a fonte da substância
viscosa do corpo do peixe. Posteriormente, especulou que poderiam ter uma
“função mais oculta”, mas seu verdadeiro propósito permaneceu sem
explicação.
As coisas começaram a se esclarecer em meados do século XIX, com a
descoberta da função da linha lateral dos peixes, um órgão que
partilha algumas semelhanças com o sistema de poros e tubos de Lorenzini.
A linha lateral, que se estende pelo lado de muitos peixes e anfíbios,
das guelras à cauda, detecta o deslocamento de água. Nos peixes, ela
consiste em uma fileira especializada de escamas perfuradas, cada uma com
abertura para um tubo longitudinal logo abaixo da pele. Em protuberâncias
ao longo de seu comprimento, células sensoriais especializadas chamadas
ciliares estendem projeções esguias, parecidas com escovas (ou cílios),
no tubo. Movimentos ligeiros na água, como os causados por peixes nadando
a uma curta distância, dobram as massas ciliares microscópicas como um
vento causa ondas em uma plantação. Essa reação estimula os nervos,
cujos impulsos informam o cérebro sobre a força e a direção do
deslocamento de água. Nós, humanos, herdamos uma habilidade descendente
dessa linha lateral na cóclea de nosso ouvido.
No final do século XIX, o microscópio revelou que os poros no focinho do
tubarão e as estruturas incomuns sob eles, atualmente chamadas ampolas de
Lorenzini, deviam ser órgãos sensoriais. Cada tubo terminava em uma
bolsa bulbosa, ou ampola. Um nervo fino emergia da ampola e se juntava a
ramificações do nervo da linha lateral anterior. Os cientistas
rastrearam essas fibras nervosas da base do crânio, onde elas entram no cérebro
pela superfície dorsal da medula, um destino característico de nervos
que levam informação sensorial ao cérebro. Os observadores discerniram
uma única célula ciliar minúscula, semelhante às do ouvido interno
humano e do sistema da linha lateral do peixe, dentro de cada ampola. Mas
o tipo de estímulo que elas poderiam detectar permanecia desconhecido.
Eletrorrecepção Confirmada
Os pesquisadores se viram diante de um dilema: como poderiam determinar a
função desse órgão sensorial? Em 1909, o biólogo G. H. Parker, da
Harvard University, removeu a pele ao redor das aberturas ampolares de um
cação para eliminar quaisquer receptores táteis na área. Então,
observou que o peixe ainda assim reagia quando os tubos expostos eram
tocados suavemente. Essa resposta sugeriu que os órgãos poderiam
responder ao movimento da água ou talvez à sua pressão, mas ele não
sabia ao certo. Afinal, uma reação de reflexo a um cutucão no olho não
significa necessariamente que os olhos evoluíram para perceber golpes
repentinos.
Em 1938, Alexander Sand, da Marine Biological Association em Plymouth,
Inglaterra, com a ajuda do amplificador a válvula, teve sucesso em
ampliar e registrar os pulsos nervosos que iam das ampolas de Lorenzini ao
cérebro. Ele viu que os impulsos eram disparados pelo nervo em uma
corrente constante, mas que certos estímulos faziam a taxa aumentar ou
diminuir repentinamente. Sand percebeu, como Parker, que os órgãos
respondiam ao toque ou pressão, mas descobriu que a taxa de estímulo
também crescia quando eram resfriados. De fato, as ampolas eram tão sensíveis
à temperatura que podiam detectar mudanças externas tão pequenas quanto
0,2ºC. Essa percepção, juntamente com a importância da temperatura da
água para a migração e outros comportamentos dos peixes, parecia ser
uma forte evidência de que os órgãos eram receptores de temperatura.
No início dos anos 60, o biólogo R. W. Murray, da University of
Birmingham, Inglaterra, repetiu as experiências de Sand com instrumentos
eletrofisiológicos modernos e confirmou a resposta a mudanças de
temperatura e diferenças de pressão e toque, mas também observou que os
órgãos eram sensíveis a ligeiras variações de salinidade. Além
disso, quando ele ativou por acaso um campo elétrico perto da abertura de
um tubo ligado a uma ampola, o padrão de ativação mudou. E mais: o padrão
se alterava de acordo com a intensidade e a polaridade do campo. Quando o
pólo positivo do campo se aproximava da abertura de uma ampola, a taxa de
estímulo diminuía; quando o pólo negativo se aproximava, o estímulo
aumentava.
Murray determinou que os órgãos podiam responder a campos tão fracos
quanto 1 milionésimo de volt aplicado à distância de 1 cm na água do
mar. Esse efeito equivale à tensão gradiente produzida por uma pilha AA
de 1,5 volt com um pólo mergulhado no estuá-rio de Long Island Sound, no
nordeste dos EUA, e o outro nas águas além da costa de Jacksonville, Flórida,
ao sul. Teoricamente, um tubarão nadando entre esses pontos poderia
facilmente dizer quando a pilha foi ligada ou desligada. (Medições
posteriores da resposta do cérebro indicaram que os tubarões podem
discernir 15 bilionésimos de 1 volt.) Nenhum outro tecido, órgão ou
animal exibe essa sensibilidade extrema à eletricidade.
Em Busca de uma Função
O que um peixe ganha com a capacidade de detectar campos elétricos
fracos? Indícios da resposta vieram de estudos anteriores de
“bioeletricidade” – emissões de campo elétrico – por outros
peixes. As enguias elétricas, por exemplo, podem atordoar suas presas com
fortes choques gerados por um órgão especializado. Outros peixes,
entretanto, parecem produzir intencionalmente campos elétricos menores,
fracos demais para servir como armas. A evolução desses órgãos
aparentemente inúteis confundiu até mesmo Charles Darwin.
Na busca de uma função para essa bioeletricidade fraca, o zoólogo H.
W. Lissmann, da University of Cambridge, e outros nos anos 50 descobriram
que o peixe que a produzia era capaz de detectar seu próprio campo elétrico.
Seus sensores, os receptores tuberosos, são muito diferentes das ampolas
de Lorenzini: não têm os tubos compridos e não são nem de perto tão
sensíveis aos campos elétricos. No entanto, na época, a descoberta
deles acrescentou a eletrorrecepção à lista dos sentidos conhecidos.
Juntos, órgãos de baixa eletricidade e eletrorreceptores tuberosos
formam um par emissor e receptor de um sistema parecido com o do radar,
extremamente útil para tarefas como orientar-se no lamacento rio Amazonas
ou se alimentar à noite. À medida que os objetos distorcem a forma do
campo elétrico emitido, os receptores tuberosos detectam a mudança,
revelando assim a sua localização.
Tubarões e arraias, entretanto, não possuem órgãos exclusivos para a
emissão de campos. Pesquisadores já especularam que as ampolas de
Lorenzini, altamente sensíveis, poderiam trabalhar como um sistema de
“radar” passivo, detectando campos elétricos fracos que ocorrem
naturalmente no ambiente.
Então o que esses animais estavam detectando? Possivelmente sentiam
formas breves e fracas de bioeletricidade, como as do potencial elétrico
das ondas cerebrais e contrações do músculo cardíaco. Mas parecia
improvável que tubarões pudessem usar suas ampolas de Lorenzini para
detectar pulsos de um campo elétrico que dura apenas poucos milésimos de
segundo. Pelo contrário, esses órgãos estão ajustados para sentir
apenas os campos elétricos que mudam mais lentamente, como os gerados por
baterias eletroquímicas.
5-Essa capacidade de detecção faria sentido porque todas as células
biológicas no corpo funcionam como baterias em decorrência de sua
estrutura. Uma bateria comum produz tensão quando duas soluções salinas
com cargas elétricas líquidas diferentes são separadas dentro de uma célula
eletroquímica. Cargas opostas se atraem, e o movimento resultante da
carga cria uma corrente elétrica. Da mesma forma, as células vivas contêm
uma solução salina que difere da água do mar, causando o surgimento de
uma tensão na interface. Conseqüentemente, o corpo do peixe na água do
mar opera como uma bateria fraca, emitindo um campo elétrico ao seu
redor. O campo produzido por essa bateria muda lentamente à medida que o
peixe bombeia água por suas guelras.
Usando um amplificador eletrônico, nos anos 70 o biólogo Adrianus
Kalmijn, na época da Universidade de Utrecht, Holanda (e hoje do Scripps
Institution of Oceanography), demonstrou que os animais produziam campos
bioelétricos na água do mar. Esses campos bastante fracos mudavam pouco
(ou nada) ao longo do tempo, exatamente o tipo de característica elétrica
que as ampolas de Lorenzini são equipadas para detectar. Kalmijn também
demonstrou que um tubarão de cativeiro localizava e atacava os eletrodos
que ele enterrou na areia de um aquário se os eletrodos emitissem campos
imitando os produzidos pelas presas típicas do tubarão. (Meu trabalho
inicial foi paralelo à pesquisa de Kalmijn, mas me concentrei na quimera
(ver quadro na pág. anterior)).
Eletrorrecepção no Ambiente Natural
Demonstrar que peixes com ampolas de Lorenzini respondem a campos elétricos
nas condições controladas de um laboratório é uma coisa; determinar
isso em campo, no ambiente da espécie, é outra. Essa tarefa provou ser
desafiadora em parte porque os sinais elétricos fracos da presa podem ser
acompanhados pelo ruído elétrico gerado por outros fenômenos naturais
– salinidade, temperatura, movimento da água, acidez e assim por
diante. No oceano, mesmo um fio de metal cria uma tensão que qualquer
tubarão pode perceber facilmente.
Para testar como os peixes usam esse sentido na natureza para caçar,
tivemos de observá-los no mar – o motivo de estarmos em um pequeno
barco com uma abertura quadrada no convés. Em 1981, na esperança de
verificar se grandes tubarões oceânicos usavam efetiva e rotineiramente
a eletrorrecepção para se alimentar, Melanie e eu, assim como Kalmijn e
sua associada, Gail Heyer, da Woods Hole Oceanographic Institution,
desenvolvemos um aparato em forma de T, com conjuntos de eletrodos
posicionados em cada extremidade.
Descemos o dispositivo pela abertura no convés e bombeamos peixe moído
por uma porta localizada na junção entre os eletrodos. Então
energizamos os eletrodos para produzir campos elétricos que imitam
aqueles emitidos por peixes que são presas típicas dos tubarões. Uma
pessoa ativava um eletrodo de cada vez em uma seqüência aleatória,
enquanto outra (que não sabia qual eletrodo estava sendo ativado)
observava o efeito sobre os tubarões. Se os animais atacassem
preferencialmente um eletrodo ativado, saberíamos que eles usaram o
sentido elétrico para pegar sua presa.
Agachados no convés do barco durante a primeira noite do experimento,
espiamos pelo buraco enquanto um grande tubarão-azul circulava. Num dado
momento ele sentiu o cheiro de peixe moído proveniente do equipamento e
nadou diretamente na direção do odor. Mas no último instante deu uma
guinada acentuada para a direita, partindo a perna direita do T com as
mandíbulas. O animal se sobressaltou, sacudiu e então soltou
abruptamente o equipamento. No momento final do ataque, o predador
ignorara a fonte do odor, optando por morder o eletrodo ativado. Ao longo
do verão, nossa equipe testemunhou muitos ataques semelhantes, nos quais
os animais exibiram preferência acentuada pelo eletrodo ativado em vez do
inativo e da fonte de odor de alimento.
A conclusão de que a eletrorrecepção pode superar até mesmo fortes
instintos sensoriais como sabor e cheiro nos momentos finais do ataque
explicaria relatos enigmáticos de ataques de tubarão a seres humanos.
Casos nos quais a vítima foi repetidamente atacada enquanto era conduzida
para um lugar seguro por outro nadador, este ignorado pelo tubarão
durante o resgate. Apesar de o tubarão talvez perder de vista sua presa
quando o sangue obscurece a visão e oblitera o olfato, parece que o
sentido de eletrorrecepção permite que localize o forte campo elétrico
gerado pelo contato da água com os sais sangüíneos nos ferimentos da
presa.
Os tubarões usam todos os sentidos quando caçam – cada um tem
vantagens específicas e sensibilidade diferente (ver quadro na pág.
oposta). O olfato e a audição seriam mais úteis para localizar a presa
a longa distância. Os sentidos visão, linha lateral e paladar, mais
importantes a curto alcance. Mas durante a fase final do ataque, quando o
tubarão está a 1 metro da presa, a eletrorrecepção se torna a melhor
forma de localizá-la precisamente e orientar corretamente as mandíbulas.
Talvez um dia essa compreensão venha a servir de base para o
desenvolvimento de um dispositivo capaz de repelir os animais,
afastando-os dos banhistas.
Temos nos concentrado no comportamento alimentar, relativamente fácil de
induzir nos tubarões, mas esses peixes sem dúvida também empregam seu
sentido elétrico para outras finalidades. Podemos só imaginar como é
ver o mundo por meio desse sentido estranho e nada familiar.
CONCEITOS-CHAVE |
Tubarões e peixes
relacionados podem sentir campos elétricos extremamente fracos
emitidos por animais nas águas ao redor, uma capacidade que poucos
organismos possuem.
Essa capacidade é possibilitada por estruturas eletrossensoriais
singulares chamadas ampolas de Lorenzini, homenagem ao anatomista
que as descreveu pela primeira vez no século XVII.
O autor e seus colegas demonstraram que os tubarões usam esse
“sexto sentido” para mirar a presa durante a fase final do
ataque. Outros usos potenciais para os eletrorreceptores ainda
precisam ser determinados.
– Os editores |
ELETROSSENSORES EM AÇÃO |
Tubarões e espécies relacionadas sentem campos elétricos
extremamente fracos gerados por outros animais na água salgada graças
a centenas, talvez milhares de detectores especializados em seu
focinho chamados ampolas de Lorenzini (a). Os campos conduzem
eletricidade em canais cheios de gel, bem isolados (b), que se
estendem dos poros da pele às ampolas em forma de bulbo (c)
alinhadas com uma camada única de células sensoriais (d). Essas células,
que respondem a cada ligeira mudança na carga elétrica do gel no
canal, ativam por sua vez os nervos próximos, que informam o cérebro
da presença do campo.
Uma célula sensorial reage quando um campo externo produz um
pequeno potencial elétrico em sua membrana, levando os canais a
permitir a entrada de íons de cálcio de carga positiva. O afluxo
de carga positiva faz com que a célula libere neurotransmissores
nas sinapses, ou pontos de contato, dos nervos para o cérebro,
estimulando sua ativação. A taxa de estímulos indica a força e a
polaridade do campo externo, enquanto sua localização relativa ao
tubarão é supostamente determinada pela posição dos poros
ativados em seu corpo. As células retornam ao seu estado original
após a abertura de um segundo tipo de canal de membrana, que
permite que a saída dos íons de potássio de carga positiva. |
LINHA DO TEMPO: ENTENDENDO A
ELETRORRECEPÇÃO |
1678: O anatomista
italiano Stefano Lorenzini descreve a estrutura do sistema de
eletrorrecepção dos tubarões e arraias. Sua função permanece um
mistério.
Final do século XIX: Os cientistas explicam a função da
linha lateral do peixe, um órgão que detecta o deslocamento de água
e de certa forma lembra o sistema eletrorreceptor. O exame com
microscópio detalha o que em breve se tornará conhecido como
ampolas de Lorenzini.
1909: G. H. Parker descobre que as ampolas respondem ao
toque. Ele especula que podem sentir o movimento da água.
1938: Alexander Sand registra a saída de impulso nervoso das
ampolas de Lorenzini em resposta a vários estímulos. Ele nota que
elas reagem a minúsculas mudanças de temperatura.
Anos 50: H. W. Lissmann e outros descrevem os “receptores
tuberosos” em peixes que emitem fracos campos elétricos e
percebem seus próprios campos. A descoberta acrescenta a
eletrorrecepção à lista dos sentidos animais conhecidos.
Início dos anos 60: R. W. Murray descobre que as ampolas de
Lorenzini são sensíveis a ligeiras variações de salinidade e a
campos elétricos fracos.
Anos 70: Adrianus Kalmijn demonstra que na água do mar o
corpo dos animais produz campos elétricos. Ele também mostra que
tubarões em cativeiro conseguem localizar e atacar eletrodos
enterrados que emitem campos elétricos semelhantes.
Anos 90 ao presente:
Pesquisadores mostram que a eletrorrecepção é um sentido
ancestral, comum entre os animais aquáticos. |
PEIXES COM SEXTO SENTIDO |
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FRED BAVENDAM Minden
Pictures (arraia); NORBERT WU Minden Pictures (peixe-serra);
STEPHEN FRINK Corbis (arraia-elétrica); WIL MEINDERTS Foto
Natura/Minden Pictures (esturjão); JEAN-PAUL FERRERO
Auscape/Minden Pictures (dipnóico) |
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Além dos tubarões, vários peixes conhecidos possuem
eletrorreceptores ampolares semelhantes:
ARRAIAS, que deslizam com suas “asas” de barbatanas
peitorais ampliadas próximo ao fundo do mar para se alimentar.
PEIXES-SERRA, que têm focinho parecido com serra coberto com
poros sensores de movimento e eletrossensíveis, que permitem
detectar presas enterradas no fundo do mar.
ARRAIAS-ELÉTRICAS, que têm órgãos que desferem descarga
elétrica capaz de atordoar ou matar a presa.
ESTURJÕES, que usam seu focinho em forma de cunha e os
barbilhões semelhantes a bigodes para encontrar alimento nos
sedimentos do fundo do mar.
DIPNÓICOS, que conseguem respirar ar e estão adaptados à
água doce e, muitas vezes, lamacenta. |
PESQUISANDO UM SENTIDO ANTIGO |
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NORBERT WU Minden
Pictures |
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A QUIMERA percebe seu
ambiente com eletrorreceptores, um fato que o autor provou
usando um aquário em forma de anel (ilustração) |
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Os tubarões não foram os primeiros peixes a possuir
eletrorreceptores; seus ancestrais atualmente extintos também
sentiam campos elétricos nos mares antigos. Minha própria pesquisa
inicial sobre eletrorrecepção se concentrava em saber se um peixe
peculiar –a quimera –, que também evoluiu daquelas espécies há
muito perdidas, também tinha eletrorrecepção.
Encontrei uma dessas criaturas pela primeira vez no final dos anos
70. A quimera tem grandes incisivos que impedem sua boca de se
fechar completamente. Essa característica e seus olhos grandes a
faziam parecer um coelho ou um rato – o motivo para ser
normalmente chamada de rabbitfish (peixe-coelho) ou ratfish
(peixe-rato).
Como a quimera não tem valor comercial, o capitão permitiu que eu
a levasse para casa para estudo. Logo notei que grande parte da cabeça,
entre a pele e o músculo abaixo, estava cheia de uma massa
gelatinosa transparente. Quando apontei uma luz para a gelatina em
certo ângulo, vi um emaranhado de tubos transparentes, cheios de
gel, que irradiavam para os poros da superfície da cabeça e
lembravam as ampolas de Lorenzini nos tubarões. Suspeitei que a
quimera também possuía esses órgãos mas, para confirmar essa
conjectura, eu precisava pegar uma quimera ilesa e mantê-la viva
por tempo suficiente para realizar a experiência.
Para isso, pedi a ajuda da tripulação de barcos de pesca comercial
da baía de Monterey. Numa manhã de neblina, o capitão do Holiday
II me avisou por rádio para ir buscar no ancoradouro uma quimera
viva que eles haviam capturado. De volta ao meu laboratório,
coloquei o peixe em um aquário em forma de anel, no qual a água do
mar circulava constantemente (ilustração acima). O centro do anel
era grande o suficiente para me permitir observar o peixe enquanto
ele nadava contra a corrente (sua direção preferida).
|
PESQUISANDO UM SENTIDO ANTIGO |
Logo percebi que a tendência da quimera de nadar contra a corrente
podia ajudar a responder a minhas perguntas. Primeiro, enterrei
eletrodos sob a areia. Quando a quimera nadava sobre os eletrodos
escondidos, eu ativava o campo elétrico e simultaneamente tocava
suavemente o peixe com uma vara de vidro, fazendo com que nadasse a
favor da corrente. Logo a quimera revertia o curso, voltando à sua
direção preferida. Presumi que se o peixe pudesse detectar o fraco
campo elétrico, passaria a associar o campo à incômoda vara de
vidro. Se isso ocorresse, a quimera podia aprender a virar por conta
própria apenas com a ativação dos campos.
Após um esforço considerável, finalmente consegui o resultado que
buscava. Ativei a chave, e a quimera mudou instantaneamente de direção.
Ela sentiu o campo elétrico e aprendeu a rotina. Dali em diante,
toda vez que eu ativava os campos elétricos, a quimera virava para
o outro lado, mas passava pelos eletrodos desativados sem hesitação.
Ajustando a intensidade e a freqüência do campo, descobri que o
peixe podia identificar facilmente campos tão fracos quanto os
criados pelos peixes na água do mar.
Apesar de a experiência ter mostrado que a quimera pode detectar
campos elétricos fracos, ela não provou que o peixe usava as
estruturas parecidas com as ampolas de Lorenzini para esse propósito.
O eletrofisiologista David Lange, do Scripps Institution of
Oceanography, e eu buscamos estudar essa questão com a mesma
quimera. Adotando a abordagem usada por Alexander Sand em 1938,
registramos a atividade dos nervos ligados a esses órgãos. Quando
um impulso nervoso corria do órgão misterioso para o cérebro, uma
onda fosforescente verde atravessava a tela de nosso osciloscópio e
um estalo barulhento saía de um alto-falante.
Enquanto o peixe dormia pacificamente sob anestesia, os impulsos
nervosos pulsavam suavemente em harmonia com sua respiração. Mas
quando colocávamos um campo elétrico próximo de um dos poros da
pele, o laboratório se enchia instantaneamente de estalos
barulhentos, refletindo uma corrente de impulsos nervosos disparados
ao cérebro. Em seguida, fizemos o campo elétrico pulsar, e os
impulsos nervosos o acompanharam, como soldados marchando em uma
parada. E quando invertemos a polaridade do campo, demonstramos que
o pólo negativo excitava o órgão, enquanto o positivo inibia sua
atividade, assim como Sand e R. W. Murray tinham observado nas
ampolas dos tubarões. Não há mais qualquer dúvida de que a
quimera tem eletrorreceptores. Exames posteriores revelaram que os
eletrossensores da quimera são idênticos aos dos tubarões. –
R. D. F. |
REPELENTES MAGNÉTICOS |
Os inventores estão
tentando manter os tubarões afastados de iscas de peixe e, talvez,
de nadadores agindo sobre seus sensíveis eletrorreceptores com ímãs
poderosos. A idéia é confundir os eletrossensores do tubarão
induzindo uma tensão interna quando seu corpo passa pelo campo do
ímã, dizem os pesquisadores e empreendedores Samuel Gruber, Eric
Stroud e Mike Herrmann.
“O foco é salvar os tubarões, não os seres humanos”, explica
Gruber, biólogo marinho da University of Miami. O World Wildlife
Fund estima que 20% das espécies de tubarão estão ameaçadas. Se
fossem fixados aos espinhéis comerciais, esses dispositivos
poderiam salvar da pesca 50 mil tubarões por noite no mundo todo,
alega.
Com apoio da WWF, a equipe está desenvolvendo um anzol de pesca com
um ímã poderoso (cilindro preto, acima) preso à linha de pesca.
Os peixes de pesca esportiva e comercial, que não têm
eletrorreceptores, morderiam o anzol sem saber. Os testes
preliminares são encorajadores, mas isso não quer dizer que
devamos nadar no mar com trajes cheios de ímãs; não há, ainda,
estudo científico comprovando que ímãs afetam o comportamento do
tubarão. – R. D. F. |
PARA SABER MAIS |
The electric sense of
sharks and rays. A. J. Kalmijn, em Journal of Experimental Biology,
vol. 55, págs. 371-383, 1971.
Electroreception in the ratfish (Hydrolagus colliei). R. D. Fields e
G. D. Lange, em Science, vol. 207, págs. 547-548, 1980.
Ampullary sense organs, peripheral, central and behavioral
electroreception in Chimaeras (Hydrolagus, Holocephali,
Chond-rich-thyes). R. D. Fields, T. H. Bullock e G. D. Lange, em
Brain, Behavior and Evolution, vol. 41, págs 269-289, 1993.
Electroreception. T. H. Bullock, C. D. Hopkins, A. N. Popper e R. R.
Fay. Springer Press, 2005. |
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